1.
Desenvolvimento, crises e implicações sobre o mundo trabalho
A
atual crise econômica, iniciada em 2008, é a mais abrangente crise da
era da Globalização, que foi desencadeada pelo sistema financeiro
dos países mais centrais do capitalismo mundial. É uma crise que coloca em
discussão os rumos da globalização, o papel dos Estados Nacionais na
regulação da economia e as estratégias de enfrentamento da crise e do
próprio desenvolvimento. Também indica a possibilidade de um
rearranjo geopolítico, com a emergência dos países em
desenvolvimento, especialmente da China. Ao trazer contundentes implicações para
os níveis de emprego e para a qualidade dos vínculos de trabalho, requer ampla
reflexão sobre as repercussões dessa crise sobre as tendências que vinham se
esboçando no plano das relações de trabalho desde os anos 1970: flexibilização,
terceirização, heterogeneização, precarização. Além disso, há um fato novo a
ser analisado que são os movimentos de contestação
sociais às políticas adotadas no enfrentamento da crise.
2. Trabalho, desigualdade e pobreza
O Brasil apresenta marcas históricas que
remontam ao processo colonizador, destacando-se dentre essas marcas a pobreza,
a concentração de renda e a desigualdade social. Por isso pobreza e
desigualdade não são fenômenos novos, mas sim obstáculos reais que impediram a
conformação de uma sociedade mais justa e democrática. Estes fatos se agravaram
ainda nas últimas décadas do século XX quando o modelo de industrialização do
país se esgotou rapidamente e a sociedade foi tomada por uma grave crise
socioeconômica. Com a estagnação econômica o nível de renda per capita caiu fortemente, ampliando os
diferenciais entre as parcelas mais ricas e pobres da população, o que
exacerbou ainda mais o processo de concentração de renda em todo o país.
Programas econômicos de estabilização agravaram também as condições do mercado
de trabalho, levando a aumento das taxas de desemprego, a expansão da
informalidade e a redução dos salários básicos, bem como estimularam a
continuidade de deslocamentos populacionais, o que provocou inchaços das
grandes metrópoles urbanas que passaram a concentrar a maior parte da população
do país. Diante dessas características e com uma população cada vez menor
coberta pelo sistema de proteção social, criaram-se condições favoráveis para a
manutenção do processo de exclusão social e de expansão do número absoluto de
pobres. É certo que desde os anos finais do século XX e ao longo do século XXI
– com a valorização real do salário mínimo e com políticas mais abrangentes de
renda mínima – houve uma melhoria na distribuição da renda do trabalho e também
uma diminuição da pobreza relativa no País. Entretanto, os indicadores ainda
revelam um quadro de forte insuficiência de renda, concentração excessiva da
renda e elevado grau de pobreza. Por isso, a ABET definiu como eixo estratégico
os temas inter-relacionados de trabalho, desigualdade e pobreza, procurando
apoiar a elaboração de estudos, pesquisas e análises que mostrem relações
efetivas entre melhorias no mercado de trabalho (especialmente a ampliação do
emprego formal e dos salários) e efeitos positivos sobre a redução da pobreza e
da desigualdade, em especial a desigualdade de renda. A integração desses temas
também faz parte da ação estratégica da Associação, uma vez que se entende que
melhorias nas condições de trabalho e redução das desigualdades são condições
essenciais para o país superar sua condição de nação subdesenvolvida.
3. Políticas públicas de trabalho
Políticas públicas de trabalho
visam contribuir para fortalecer a inserção ocupacional e fornecer renda
temporária com o objetivo de mitigar os efeitos de privação e desconforto de
trabalhadores atingidos por situações de desocupação. Seguro desemprego e
outros auxílios emergenciais, via transferência de renda, bem como qualificação
profissional, intermediação de mão-de-obra, acesso a crédito, promoção de
associativismo e cooperativismo estão entre as políticas de trabalho e deveriam
estar articulados a outras políticas públicas de forma a maximizar seus efeitos
no sentido de melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Nesse sentido, é
importante a existência de instrumentos efetivos para o controle social sobre a
execução destas
políticas. Considerando a relevância dessa temática,
a ABET definiu Políticas Públicas de Trabalho como um dos eixos estruturantes
das ações da Associação. Nesse contexto, ganham relevância análises, estudos e
avaliações de programas que procurem identificar potencialidades e limites
dessas políticas, bem como sugerir mudanças e melhorias na eficiência das
mesmas. Dessa forma, temas relativos às novas tendências do mundo do trabalho;
diversificação de ações e programas; políticas de integração de sistemas
públicos e privados; articulação horizontal e vertical dessas políticas com as
demais políticas de desenvolvimento do país; participação e gestão social; e
outras políticas afins são essenciais para a composição da pauta dos fóruns de
debate da ABET.
4. Regulação e instituições públicas do
trabalho
As transformações no mundo do trabalho que
vêm se processando desde os anos 1970, sob um contexto de flexibilização, têm
colocado em evidência a questão da regulação social do trabalho. Encontram-se
em discussão as crises dos padrões de regulação fordista, nos países centrais,
ecorporativista, em países como o Brasil. O tema da Reforma Sindical e
Trabalhista, sob diversos prismas, coloca em questão: os papéis do Estado, da
Justiça do Trabalho, das Juntas de Conciliação e Julgamento, dos sindicatos,
das negociações coletivas, de agências públicas e privadas de intermediação de
mão de obra; os processos de discussão pública dos novos rumos da regulação do
trabalho; o novo arranjo institucional e jurídico capaz de sustentar um novo
padrão de regulação.
5. Reconfigurações do trabalho
O objetivo deste eixo-temático é articular
contribuições advindas de diferentes áreas do conhecimento sobre as novas /
velhas configurações que o trabalho assume, em análises aprofundadas sobre as
razões da mudança. Nesse sentido, contempla temas de pesquisa tais como: os
novos sentidos do trabalho; intensidade e agravos/sofrimentos decorrentes do
trabalho; o papel dos agentes sociais na reconfiguração e organização do
trabalho; subcontratação, flexibilização, informalidade, precarização do
trabalho; formas de resistência referidas ao trabalho; formas e organização do
trabalho em empreendimentos solidários.
6. Formas de organização e lutas dos
trabalhadores
O objetivo deste eixo-temático é abordar as
diferentes iniciativas e configurações que a organização e as lutas dos
trabalhadores têm assumido nos últimos tempos, no Brasil e no mundo. Diante de
um contexto de importantes transformações nos modelos produtivos e nas formas
de organização do trabalho, quando têm sido introduzidas novas dinâmicas entre
as escalas local, nacional, regional e global, procura-se compreender os novos
padrões de ação sindical e outras formas de organização e de luta que nasceram
como opções dos trabalhadores. Assim, serão contempladas reflexões sobre:
práticas inovadoras de sindicatos de categorias tradicionais e de novas
categorias de trabalhadores; as tendências da luta sindical em categorias com
tradição de organização em diversos patamares; o perfil e estratégias de ação
das novas entidades de representação nacional dos trabalhadores; as
experiências das novas formas de organização dos trabalhadores, como a economia
solidária e outras formas associativas; novas iniciativas internacionais de
lutas dos trabalhadores; os novos espaços institucionais de lutas dos
trabalhadores; entre outros temas.
7. Formas de discriminação no trabalho
A discriminação no trabalho se expressa de
diversas formas envolvendo (distinta ou articuladamente) dimensões como: sexo,
geracionais, orientação sexual, etnia/raça, região, tipo do trabalho, práticas
de diferenciação salarial e contratual entre outras. Situações de discriminação
no trabalho têm sido identificadas em processos de assedio de toda natureza:
moral, sexual e funcional. É preciso efetivar nas relações de trabalho o
princípio constitucional da igualdade ente mulheres e homens. Por que nas
relações de trabalho as práticas discriminatórias proliferam e se ancoram em
culturas organizacionais orientadas pela crença da supremacia do masculino
sobre o feminino.
8. Formas de trabalho degradante
A profunda mudança no modelo econômico brasileiro nos
anos noventa impactou diretamente o ambiente de trabalho, seja por meio das
novas formas de gestão do trabalho, seja pela intensificação de estratégias das
grandes empresas para reduzir custos, como o processo de terceirização. A
exigência de maior produtividade e menor custo para ganhar competitividade
levou a intensificação do trabalho. Ao lado disso, especialmente – mas não
exclusivamente – nas atividades agrícolas velhas práticas de subjugar o
trabalhador permanecem como meio de retê-lo no local de trabalho. Além disso,
as condições de busca, contratação e remuneração do trabalhador sazonal –
muitas vezes migrantes de regiões distantes – são quase sempre desfavoráveis
aos trabalhadores, levando-os à jornadas extenuantes e condições precárias de
trabalho e moradia. Diante disso, este eixo tem como objetivo estimular o
debate e a divulgação dos estudos que focam as formas de trabalho que
desrespeitam a dignidade humana, não garantindo os direitos fundamentais da
pessoa humana relativos ao trabalho. Dentro de uma perspectiva
multidisciplinar, espera-se que os estudos componham um quadro que exponha as
diversas facetas dos trabalhadores sob condições de trabalho degradante, tais
como os problemas sociais, psicológicos, legais, saúde e segurança, econômicos
etc., além de contribuições de historiadores cujo trabalho esteja relacionado
ao tema.
9. Trabalho, tecnologia e educação
O mundo
vive uma nova revolução técnico-científica com implicações profundas sobre as
formas de produção e da organização do trabalho, demandando novas
formas de geração e socialização do conhecimento. Nesse sentido, são centrais
temas como: a ciência, o trabalho humano e as novas fronteiras da vida humana;
ciência e tecnologia; o papel do conhecimento na sociedade contemporânea; novas
necessidades e possibilidades da organização da produção e do trabalho;
desafios atuais da educação e da qualificação profissional, frente às novas
demandas do mercado e às possibilidades de desenvolvimento, de inclusão social
e de cidadania; certificação de competências.
10. Trabalho e saúde
A alta prevalência de acidentes
e doenças relacionadas ao trabalho caracteriza o campo da Saúde do Trabalhador,
assim como as relações sociais no Brasil desde a década de 70. Além disso,
assiste-se à mudança no perfil do adoecimento devido à introdução de novas
formas de organização e de gestão que tem aumentado a intensidade do trabalho e
levado à deterioração das condições de trabalho. Do mesmo modo, observa-se
a fragilidade do movimento sindical para assumir o protagonismo da luta para a melhoria das condições de trabalho e a
insuficiência das ações e políticas públicas de proteção à saúde dos
trabalhadores. Revelar os determinantes dos agravos a saúde dos trabalhadores,
a precariedade do funcionamento das empresas e as duras condições de trabalho, assim
como os mecanismos necessários à negociação social e a transformação das
situações de trabalho são elementos centrais para o debate, em perspectiva
multidisciplinar, centrado em diversas abordagens de análise do trabalho.
11.
Rerritorialização do trabalho e migrações
A recente retomada do crescimento econômico, a partir de
2004, ampliou a geração de empregos e também da formalização dos contratos de
trabalho. Por outro lado, mas no mesmo sentido, houve investimentos em setores
produtores de matérias primas básicas e energia, tais como a expansão do
agronegócio para o cerrado e região amazônica, a instalação de siderúrgicas e
hidrelétricas na Amazônia, instalação de novos portos para escoamento da
produção e novos pólos industriais exportadores. Todo esse processo teve
impacto sobre o território e sobre as populações, que foram expulsas de seus
locais de origem: trabalhadores rurais, pequenos produtores familiares de
produtos de subsistência, populações tradicionais (índios e quilombolas),
provocando um novo (velho) processo de acumulação primitiva brasileiro. Todos esses acontecimentos provocaram a
emergência de novos fluxos migratórios de trabalhadores tanto interregional
como intrarregional. Diante deste contexto, este eixo visa discutir quais foram
as principais mudanças sobre o território, tanto urbano, como rural, que
provocam mudanças na forma de inserção ocupacional e das oportunidades abertas
pelo processo de crescimento econômico. Para essa discussão é fundamental o
diálogo multidisciplinar entre economistas, sociólogos, geógrafos,
antropólogos, assistentes sociais e historiadores focados na
reterritorialização do trabalho e do capital e seus efeitos sobre os fluxos
migratórios.
12. Fontes de pesquisa e metodologias nos
estudos do trabalho
O trabalho, como atividade
central da vida, contempla uma multiplicidade de dimensões sociais
interdependentes, sendo interpretado diversamente pelos diversos ramos das
ciências. O crescente reconhecimento dos limites do conhecimento científico
parcelizado fez emergir, entretanto, a necessidade de estabelecer maior relação
entre os saberes. Nessa direção, o presente eixo-temático da ABET objetiva se
constituir em espaço de reflexão teórico-metodológica de modo que os estudos e
pesquisas do trabalho se orientem pela perspectiva da interdisciplinaridade.
Com essa busca do diálogo interpretativo e articulado entre as disciplinas será
possível uma visão menos fragmentada do trabalho, dos trabalhadores e de seus
movimentos associativos, para uma melhor compreensão desta realidade complexa e
em constante mudança. Para subsidiar esse esforço, dispõe-se atualmente no
Brasil de uma ampla gama de fontes de informações, levantadas tanto por órgãos
governamentais quanto por entidades da sociedade civil. Faz-se necessário
aprofundar o debate sobre as possibilidades, abrangência
e preservação dessas informações, fundamentais para o desenvolvimento de
pesquisas sobre o mundo do trabalho.